Morte e mortos-vivos

A morte em Ultenor é um momento de disputas de várias forças, especialmente com o crescente aumento de poder das entidades malignas. Há nos panteões do mundo pelo menos duas forças divinas (?) que possuem força sobre o pós-vida dos mortais: o primeiro deles, Gwylldin, luta constantemente contra o segundo, Thanatos, para levar as almas dos mortais para um julgamento justo e para residirem em Gwyllgaldon, a sua Mansão Branca, onde todos devem descansar até o Hisydag, o Dia Final, momento em que divindades e entidades dos 12 Céus lutarão contra as forças demoníacas de Thanatos.

            Por outro lado, Thanatos e outros demônios lutam para buscar as almas dos mortais, independentemente do estilo de vida que tiveram antes de morrer. Thanatos é um deus deturpado e degenerado, que nunca obedeceu às determinações de Ghinor e que por isso não liga para aquilo que fora acordado Antes do Tempo. Já ali, no momento do seu ocaso e decadência, o deus-demônio estabelecera que toda e qualquer alma de mortais deveria pertencer a ele, para formar as hostes de mortos-vivos que deveriam acabar com todos os mortais logo cedo, determinando a vitória contra Gwylldin e os demais deuses antes mesmo do Hisydag.

            Deste modo, quando um personagem morre, a sua alma, ou melhor, o seu Angaetell algo como corpo-espírito , é alvo de disputas entre os dois deuses, mas não sem levar em conta o livre-arbítrio que ele teve em vida, assim como as suas ações.

            Entre Thanatos e Gwylldin existem Espíritos que já medem e julgam aquilo feito em vida pelos mortais. Dentre eles, os principais são Allanë e os  Nein’ne. Os últimos são os Espíritos do Destino, responsáveis por aquilo que foi determinado pelos deuses, o caminho que as divindades traçaram antes mesmo do nascimento da pessoa. Os  Nein’ne são anciãos, cegos, três irmãos gêmeos que conversam e debatem entre si a melhor forma de executar aquilo determinado por Gwylldin em seu pré-julgamento antes do nascimento. No entanto, os três Espíritos foram corrompidos por Thanatos e, assim, a função dos três foi deturpada: a assembleia dos três, que antes era justa e de acordo com os atos do mortal e da Predeterminação do deus da Morte e dos julgamentos, passou a ter discussões ou acertos ligados mais diretamente aos anseios de Thanatos, traçando um novo destino para o mortal, que o levava mais diretamente ao Abismo no pós-morte.

            Diante disso e das Ordenações de Ghinor (que determinavam que os deuses não deveriam mais intervir no mundo dos mortais), as quais Gwylldin não queria quebrar, o deus se viu obrigado a mudar seus planos: determinou que as Ordens Militares e Religiosas de seu culto se tornassem mais vigilantes diante da morte dos mortais, tentando impedir que as forças demoníacas do seu ArquiInimigo levassem as almas dos mortais sem seu julgamento. Assim foi que as Ordens dos Templos de Gwylldin e o seu próprio Templo criaram verdadeiras forças armadas contra os demônios e criaturas de Thanatos. Ao mesmo tempo, o seu clericato passou a ter uma influência mais direta na morte, encaminhando os Angaetell diretamente para o Rio Luaz, o caminho que leva os recém-mortos para a Mansão Branca de Gwyllgaldon, através de Ritos e Canções de Passagem (ou Canções de Encomenda, como são chamadas). Por isso, há uma grande preocupação com os mortos em Ultenor: há de ter um templo de Gwylldin em toda vila ou aldeamento para que esta Encomenda possa ser realizada, pois caso contrário os Coletadores de Thanatos podem arrebanhar as almas para o Abismo. O que muitos fazem, como tradição, é criar mecanismos de interrupção para a chegada dos Coletadores, tais como urinar no canto da porta do cômodo em que o corpo está sendo velado (o que também acontece com o nascimento de uma criança) e quebrar e virar os pés para trás. Estes mecanismos funcionam, pois a Magia Inata de Tirel protege estas almas por um período curto de tempo.

            Apesar desta disputa entre os deuses, a Espírito Allanë, diretamente ligada aos julgamentos morais e éticos dos mortais (e responsável pelos níveis de Corrupção e Virtude deles) e que se aproximou de Gwylldin diante da guerra entre os dois deuses, estabeleceu uma espécie de Não-Morte, que passou a ser chamada entre os mortais de Corpo Sem Alma. Um Corpo Sem Alma é uma chance para aqueles que ainda não conseguiram traçar o que Gwylldin determinou para cumprir o seu Destino. Ao morrer, o Jellstdot (algo como “corpo desalmado”) sai do corpo carnal, mas pode retornar, mais fraco, mais vulnerável e mais corrompido, tendo em vista que a Ordenação das Almas (esta nada mais é que o Angaetell sair do corpo e de direcionar ao Rio Luaz para seu julgamento) – Dyinajaele – não foi cumprida. Isto foi criado por Allanë e acertado por Gwylldin e, claro, vai pesar no julgamento final do deus.

            Em termos de jogo, um jogador, que tenha “perdido” um personagem por ter morrido, pode escolher voltar com seu personagem no mesmo local em que caiu morto. Para isso, ele deve anunciar o intento ao Narrador.

            A partir daí, o Narrador determina um tempo de 1d3 rodadas para que o personagem volte. Ao retornar, a sua ficha recebe as seguintes penalidades:

– Perda de uma graduação nos atributos (e por conseguinte perícias e atributos secundários) Força, Porte e Agilidade.

– O personagem ganha 1 Ponto de Corrupção na Roda de Allanë.

– O personagem ganha a Desvantagem: Alucinação

Consequências da Não-Morte e o Roleplay

            Ao morrer, um personagem entra em uma espécie de limbo. A sua volta há um Vazio escuro; vozes podem ser ouvidas e a alma do indivíduo enxerga o seu corpo, na posição em que morreu. Nu, o Jellstdot contempla o que fez em vida como um filme; um portal se abre (caso as virtudes se igualem ou sejam superiores às corrupções), e Hgael (lê-se Ríguel), o anjo condutor do Rio Luaz o chama, como um sussurro, para percorrer as sacrossantas águas para Gwyllgaldon para o Julgamento. Este é o caminho majestoso e previsto nas Ordenações de Ghinor e naquilo predeterminado por Gwylldin. Ocorre que os Coletadores de Thanatos podem interferir neste processo, abrindo um portal de dor para levar a alma para os confins do Abismo. O mesmo ocorre se em vida o sujeito adotou a malícia e a crueldade como ferramentas; as deturpações, abominações e perversões do sujeito já decretaram o seu destino: o Abismo.

            Entre isso tudo é possível que Allanë (desde que virtudes e corrupções estejam em total equilíbrio) surja e faça a Pergunta: Carcaça ou Sentença? Ao responder Sentença, o indivíduo embarca no Hgaelton, a embarcação de Hgael para a Mansão Branca para o julgamento do deus da Sentença e da Morte; ao responder Carcaça, Allanë permite o retorno do Jellstdot para o corpo morto; a partir daí, a alma retorna à carcaça, dentro dos moldes apresentados mais acima.

            A população de Ultenor teme os Corpos Sem Alma (em Linegan, o termo é Kropsiegel), por motivos claros: quando um sujeito retorna, ele passa a ser instável, pois as forças malignas passam a brigar diretamente sobre ele, trazendo alucinações, pesadelos malignos e maliciosos, que podem levar um a loucura, resultando em chacinas, ofensas ou qualquer outro tipo de crueldade. Impedir isso exige muito do Kropsiegel, por isso ele vive sempre fadigado, pois a luta contra as forças malignas é opressora e desgastante.

            Um jogador que passe a jogar com um Kropsiegel deve rolar Vigor:

– contra Fadiga TODA vez que realizar alguma ação que envolva interação social com um outro personagem ou figurante da trama;

Além disso, ele deve rolar Autocontrole:

– ao entrar em combate, antes das rolagens acontecerem (ND Fácil; aumentar o ND em 1 para cada Ponto de Corrupção que possua); caso não tenha sucesso, ele deve gastar 1 Ponto de Corrupção na sua rolagem de ataque ou na de dano ou no Efeito de Crítico; ao final do combate, o Ponto de Corrupção gasto retorna a ficha de personagem, e ele ganha +1 Ponto de Corrupção.

– toda vez que as Vozes da Malícia se apresentarem para ele. Essas vozes são os demônios tentando transformar o personagem em um Ongel, um corpo sem alma voltado exclusivamente para a Maldade. Este processo é discricionário: o Narrador deve estabelecer como essas Vozes surgirão através das Alucinações do personagem. Caso o personagem não tenha sucesso por três vezes (ou mais, a depender do que e de como o Narrador quer trabalhar em suas aventuras um Corpo Sem Alma) o personagem se torna um Ongel e se vira totalmente para o mal.

            Um personagem que tenha voltado por Allanë está no plano mortal de forma não natural, e é por isso que tantas sanções e martírio são jogados sobre ele. Dentro do clericato de Gwylldin existe um Capítulo que cuida destes não-mortais, aliviando as alucinações e as Vozes através de cânticos, orações, ensinando o autoflagelo como forma de espantar o mal de Thanatos. Por isso, quando um personagem se torna Kropsiegel, é importante procurar os Mártires para obter ajuda de todos os tipos, até porque muitos desses Mártires são Corpos Sem Alma e podem ajudar de todas as formas possíveis.

Mortos-vivos

          

Mortos-vivos são muito comuns em Ultenor, graças à interferência constante de Thanatos e de seus seguidores, que criam hordas deste tipo de criaturas para atormentar os vivos de todas as formas.Outras formas de um se tornar morto-vivo são as maldições, magias de energia negativa e de vaticínios não cumpridos os quais os deuses castigaram a pessoa

            No geral, um morto-vivo é uma criatura que perdeu o seu Angaetell, ele está aprisionado em outro plano ou atormentado entre mundos e que mantém seu corpo no Plano, seja de forma carnal ou incorpórea.

            Apenas alguns mortos-vivos são autônomos, ou seja, possui independência e controle sobre o seu Angaetell e Jellstdot. Estes são poucos, como liches e vampiros, e obtiveram esta capacidade, graças a um conhecimento superior do Oculto ainda em vida ou burlando alguma determinação dos deuses. Este é o caso daqueles que se tornaram mortos-vivos devido a alguma maldição ou condenação divina por algum motivo. Liches, por exemplo, tornam-se, no geral, mortos-vivos por vontade própria, pois acreditam que a eternização da carne no Plano é a forma suprema de obtenção de poder no plano material.

            Os demais mortos-vivos são controlados por um mestre, um sacerdote da morte ou um necromante, que utilizam a sua magia maligna para controlar e obter poder utilizando a magia e a energia do oculto. Isto cria uma certa hierarquia entre os mortos-vivos, o que vale dizer que eles possuem diferentes “níveis” de controle por assim dizer. Quanto mais preservado é o corpo, por exemplo, mais autonomia este morto-vivo terá; se ele for incorpóreo, a probabilidade dele ser mais autônomo também é maior. Além disso, vale dizer, os mortos-vivos em geral preservam parte de sua essência de quando em vida, o que, em termos de jogo, significa que eles retêm algumas de suas características de quando eram vivos.

            Vale lembrar que necromantes e sacerdotes da morte ou mesmo alguns bruxos e cultistas, manipulam as energias negativas de Tirel e, somadas ao conhecimento do Oculto, estas permitem o controle e a animação de carne morta.